28 fevereiro 2007
Amar pelo sem fio - Por Adalberto dos Santos

Djavan se lamenta numa de suas canções pouco conhecidas, “Sem saber”, da falta de sentido da vida quando um sujeito está a léguas da pessoa amada. Ele diz: “A vida já é um absurdo, com você longe, muito mais. A estrada é ruim, oh! trânsito que não vai... Mas com a gente tudo ia em paz!” Parece um apaixonado sujeito de Internet que na hora mais sagrada da comunicação on line tem seu sistema interrompido pelos defeitos técnicos da Web. É o homem virtual, ou mulher virtual que hoje em dia ama pelo sem fio, sofre pelo sem fio, mas, e de verdade, ama.
Estava até pensando em criar o Dia Internacional dos Amores Virtuais. Já é tempo, afinal temos motivos de sobra para fazê-lo. Não fosse o platonismo de toda relação amorosa, que só começa após a sensação de que o sujeito amado é uma irradiação de uma luz vinda de outro mundo, por isso eternamente próximo e inacessível, há esses novos meios de aproximação entre casais que virou moda no mundo tecnológico. Costumeiramente casais sem par se encontram facilmente nos novos meios de mídia, e a Internet, em especial, é o que mais tem possibilitado esses encontros. Sites e mais sites de relacionamento, sistemas de comunicação on line, salas de bate-papo sem fim: com um computador em casa, a Web te traz o mundo, e se der sorte, te põe aos pés, num clique, um tão sonhado amor.
Nem o poeta Shakespeare imaginaria que os casais um dia pudessem estar tão próximos estando, assim, tão distantes. Se houvesse, a briga entre Capuleto e Montéquio não teria sentido: o enredo da peça shakesperiana seria outro. Os dois pombinhos marcariam a exata hora do encontro para fugirem ou continuariam a se encontrar logo ali na próxima esquina da Internet; não morreriam em Verona - que sufoco morrer sem amar! Mas, coitados, Romeu e Julieta não tiveram sorte, Shakespeare não conheceu os encontros virtuais. Os dois tiveram que morrer para o eterno amor universal: coisas da arte.
O Dia Internacional dos Amores Virtuais seria uma ocasião em que todos os namorados, casos, paqueras ou flertes virtuais se reuniriam para festejar o desencontro. Sim, o amor celebrado à distância é um grande desencontro. Quem não pensasse assim não estaria na grande reunião, no grande encontro universal que de uma única vez traria todos os casais virtuais para se desencontrarem na celebração.
Ali os amantes se dariam os mouses e, para efeito de pequenos gestos públicos de carinhos, trocariam mensagens instantâneas de amor em cliques silenciosos de teclado, como se labaredas de palavras fossem sussurradas ao pé do ouvido. Claro, pois haveria silêncio nesse dia. Mesmo com a webcam ligada, a linguagem serviria apenas para a sugestão e, escrevendo, quanto menos palavra se usasse, melhor. Nesse dia os amores virtuais se desencontrariam, e essa distância ainda mais alimentada pela vontade de fazer soar sons estranhos, não límpidos, quando a fala se atrapalha e não correm palavras dos lábios, esses sons estúpidos e sem melodias dos apaixonados, sem poder fazê-los, seria o seu único conforto. Nada do amor cortês, proibido ligar o microfone para qualquer palavra, nada do amor vibrato, a música perfeita seria o silêncio: no Dia Internacional dos Amores Virtuais a ordem seria amar inteiramente pelo sem fio, mas calmo e sossegado, de preferência na calada da noite.
E se desse vontade de falar de assuntos leigos, que nem um nem outro sabe, mas que querem discutir? E se começassem as trocas de arquivos de músicas, fotos, arquivos de textos, emoticons, de códigos secretos? E se as histórias tolas que o outro conta surgissem de repente na tela, se o prazer de ouvir o riso, a gargalhada dele, dela, fosse mais forte? Você sabe que o amor virtual exige atitudes comuns do mesmo amor de quem ama perto, pegando, sentindo o carinho do outro, não sabe? Então, seria inútil um Dia Internacional dos Amores Virtuais? Talvez, sem as bobagens de amor, pagaria para ver as coisas darem certo...
Ora, os sintomas do amor que os amantes desejam revelar serão sempre os mesmos, implique ou não o sem fio. Amar virtualmente, à distância, ou tendo o outro, a outra, cara a cara, de todo jeito é amor. Basta uma coisa: pergunta-se hoje se o coração dá pulos quando o telefone toca ou quando recebe um torpedo dele, dela, no celular. Se sim, então é amor.
A propósito, encontrei numa crônica do Rubem Braga um desconsolo para os amantes virtuais; este não lhe dá resposta se você ama mas se queixa de amar pelo sem fio. Ao contrário, a idéia do cronista é oposta aos apaixonados virtuais, e ele diz “Não ameis a distancia”. Não é possível. Se isso pegar, te atropela, te acaba. Tenha certeza que os amantes querem estar perto, nunca distantes, e por conta do amor querem morrer, mas juntos... “Ao que ama o que lhe importa não é a luz nem o som, é a própria pessoa amada mesma, o seu vero cabelo, e o vero pêlo, o osso de seu joelho, sua terna e úmida massa carnal, o imediato calor; é o de hoje, o agora, o aqui - e isso não há.”
Eu, por exemplo, e minha musa - a que queria aqui perto, para sempre, e está longe. Só a webcam nos aproxima, e se a chuva não atrapalha ou se a conexão canalha não falha, morta de ciúme. Mas, estou nem aí. De todo modo, nem Shakespeare nem Rubem adivinhariam esses novos idílios. Nem Drummond que, se estivesse vivo, talvez mudasse os termos de um poema seu e dissesse: em plena era da Internet que pode uma criatura on line senão entre criaturas on line amar?!
 
posted by Nu com a minha musa at 3:00 AM | Permalink | 1 comments